Uma tarde

  Me lembro de uma tarde. Meu avô havia feito café e estávamos ali, quietos. Ele, pensativo, coçava a sobrancelha, num gesto que sempre repetia e eu acabei herdando.
   Olhando para o teto, divagando, ele diz, em sua voz mais calma:
    "É, tanto tempo que a gente vive aqui nessa casa... Criamos todo mundo, sempre com muita luta. Mas Deus nunca deixou faltar nada. Sempre trabalhando certo e com muita luta.
     Nossa família é muito boa. A gente enfrenta alguma dificulade com um ou com outro, mas todos são pessoas boas.
     É... A gente não perde nada por ser honesto!"
     E ele ficou mais uns instantes alí, terminando o café, se levantou, agitado, e começou a procurar alguma coisa pra me dar. Apareceu com um livrinho de versículos da bíblia.
   "Pra você. Sei que não é muito, mas..."
     Abracei meu avô, agradeci muito, corri para o banheiro e chorei igual a uma criança, como chorava quando ele ia embora depois de uma visita.
      E aquela foi a última grande lição que ele me ensinou. Honestidade, amor à família e gratidão.
      Vô, agora nos despedimos novamente. Sua visita por aqui acabou e eu chorei, novamente, como criança.
      Mas sei que está em paz e sou grato pelo seu amor e seus exemplos. Também sei que vamos nos encontrar novamente e sempre tentarei ser um espelho do que aprendi com você.

       Até a próxima!
       

3.1

   Hoje completei meus 31 anos. Não fico triste por estar envelhecendo, me apaixono cada vez mais pela vida. Até porque, embora não seja assim tão velho, esses anos me trouxeram muita coisa boa. Muito mais alegrias que tristeza, mais aprendizado e amor que sofrimento.
    Tudo que vivi me ensinou que não existem certezas, que sua vida pode mudar completamente em uma fração de segundos. Para melhor ou pior, e para sempre.
     Que você consegue chegar onde quiser, mas precisa ter um objetivo. Se você não tem um, não reclame que sua vida não avança, você está exatamente onde queria.
      Percebi que o tempo não é dinheiro. Nem todo dinheiro do mundo te traria de volta um segundo sequer de um momento perdido.
     Que fingir que está tudo bem, não faz ficar tudo bem, mas que fazer drama deixa tudo mais difícil.
     Aprendi que coisas extremamente simples podem ser extremamente bonitas e prazerosas.
     Aprendi, a duras penas, que você tem que se dar valor. E que tudo muda a partir do momento em que você percebe que merece mais e que ninguém tem o direito de te tratar como bosta.  É bem mais difícil do que parece.
     Descobri que meia hora a mais de sono pode salvar seu dia e que meia hora a mais acordado pode te trazer alegrias inesperadas.
     Que bom e ruim, bem e mal, podem sim ser questão de ponto de vista, mas não sempre. Não use essa desculpa para agir errado. Áreas cinzas são raras.
     Que as pessoas se afastam e nem sempre é por maldade, é o movimento natural das coisas. E, como movimento é relativo, se uma pessoa se afasta de você, você se afasta dessa pessoa. E o contrário também é verdade.
     Aprendi que poder dizer "eu te amo" é incrivelmente bonito e libertador. Por isso, digo todos os dias.
      Aprendi que sorrisos geram sorrisos assim como bocejos geram bocejos.
      Descobri que a pessoa mais difícil de convencer a mudar, é a si mesmo.
      Entendi que apenas não brigar não é o suficiente para fazer um relacionamento feliz. Respeito, carinho e interesse pelo outro sim.
     Enxerguei que as pessoas vão te julgar e, por menos que goste de admitir, você julgará as pessoas.
     Aprendi que preconceito não é unilateral, que dói na vítima e atrasa o agressor.
     Que esse papo de que as mulheres tem que se valorizar é balela. Pessoas tem que se valorizar. Infelizmente, a maioria das feministas não quer consertar as coisas e ter uma realidade mais justa, querem apenas poder repetir as besteiras que os homens sempre fizeram. Mas um erro nunca pode justificar o outro. Se alguns homens agem como idiotas, não queiram ser como eles.
     Aprendi que a vida acontece a todo momento. Se você fica esperando o dia acabar, chegar o fim de semana, virar o mês ou o fim do ano, é vida que você está deixando passar. Viva onde estiver, fazendo o que for. Não deixe tudo no modo automático.
      Entendi que milagres acontecem a toda hora e que muitos deles podem sim ter uma explicação lógica. Se não é milagre, vá você criar vida com uma explosão!
      Enfim, aprendi que você não envelhece no dia do seu aniversário, e sim em todos os outros antes dele. Cabe a você saber o que fazer com essa experiência. E é muito bom saber que as pessoas que te amam separam um dia do ano para comemorar sua presença nesse mundo!
      
      

Janela e Paisagem

 Sei que faz um bom tempo que não posto nada, mas recebi um vídeo que me deu bastante vontade de comentar. Ele está disponível acima, mas, caso não queiram assistir, trata-se de uma entrevista realizada por Vinícius Valverde em um shopping, onde o mesmo aborda um senhor e pede sua opinião sobre o BBB 14. 
   Diante da opinião, digamos, contrária do entrevistado, o "repórter " dispara que vivemos em uma democracia e, caso não goste do programa, que não o assista. Também, ao responder ao argumento de que o Brasil está na condição em que se encontra hoje por culpa do tipo de programação exibida nas emissoras, diz que não se pode culpar a janela pela paisagem.
   Além da incoerência de se pedir a opinião de uma pessoa para atacá-la em seguida, Vinícius toma uma atitude claramente covarde ao não deixar que seu interlocutor concluísse seu raciocínio. Ele simplesmente o ataca e se retira.
    Nunca fui um desses caras contra o tal "sistema" e nunca fui de levantar bandeiras, pró ou contra o que quer que seja, por isso, vamos esquecer que Vinícius trabalha na Rede Globo e tudo que ela pode representar. Até porque, as opiniões vistas no vídeo podem se aplicar a qualquer rede de TV e qualquer programa ruim.
    Quanto ao que o entrevistado diz, concordo com quase tudo. Realmente acho que o BBB é um programa culturalmente muito pobre. Se é que podemos dizer "cultura" e "BBB" em uma mesma frase sem cometer um erro de concordância.
    Porém, algo do que ele disse não me soa tão correto. Ou pelo menos cabe aí um questionamento: Será que as pessoas são culturalmente pobres por assistir a esse tipo de programa ou assistem a esse tipo de programa por serem culturalmente pobres?
    Se tomarmos por ponto de vista a segunda suposição, realmente o programa pode ser visto como uma janela, que reflete o nível, a realidade e as expectativas de seus telespectadores. Mas seria possível culpar a janela? A verdade é que não. Mas também é verdade que não se pode classificar a emissora como janela, já que ela não apenas mostra, mas interfere na paisagem. Janelas não mandam feeds de notícias, não aparecem em todos os portais, mídia impressa e qualquer outro meio possível para tentar ganhar nossa atenção.
   O fato é que não se pode isentar um meio de comunicação quanto à qualidade de sua programação. Seria a mesma coisa dizer que um traficante não é culpado pelos viciados. Ele só vende por haver quem consuma. Ou será que só há quem consuma por haver quem venda? Não importa, o traficante continua vendendo droga. E é responsável pelo que vende.
    Quanto ao dano que programas ruins trazem para sociedade, é um pouco complicado avaliar. Não acredito que alguém consiga perder inteligência ao assistir ao BBB. Mas acredito que é possível aprender assistindo canais como a rede Cultura, TV Escola e até ao Futura, ligado à Rede Globo. E acredito que não a inteligência, mas o comportamento das pessoas é muito guiado pelo que se assiste. Basta ver o quanto as pessoas repetem bordões de novelas, dão nomes de personagens a seus filhos, trocam cor de cabelos, modo de vestir.
     Ou seja, é importante que os meios de comunicação, e não apenas redes de TV, tomem para si a responsabilidade de formadores de opinião, que é o que são. E, mais importante ainda, é que nós, telespectadores, ouvintes e leitores, não aceitemos tanta porcaria em nossas casas, porque, se é lixo que queremos, é isso que toda a mídia vai nos dar. E eles tem bastante lixo.